há uns dias cortei-me num dedo com um x-acto, não foi a primeira vez, mas foi até agora a mais grave. Desde então que tenho o dedo protegido com um penso vulgar, nada como as belas ligaduras que a minha avó me fazia, quando me magoava. Usava uns panos brancos em tiras, envolvia o dedo e no fim desenhava uma cara sorridente com uma caneta e atava uma linha colorida a fazer um laço. Claro que depois da primeira vez aconteceram alguns acidentes imaginários, com feridas imaginárias só para ter uma daquelas bonecas num dedo.
Não gosto de trabalhar com x-acto, talvez por já me ter magoado algumas vezes. Há uns anos, no que agora me parece outra vida, passei muito do meu tempo a construir maquetas, e de vez em quando lá tinha um acidente.
Nos últimos dias, cada vez que limpo a ferida, gosto de ver como a pele se vai regenerando, é um orgão fantástico. E penso que o que se está a passar na minha ferida é como nos desenhos animados Il était un fois la vie - Era uma vez a vida, em que os anticorpos estão a defender o organismo dos micróbios invasores, enquanto as células da epiderme se vão multiplicando, tudo ao som da música La vie, la vie, la vie...
Ao retornar ao mesmo trabalho e ao pegar outra vez no x-acto senti medo e tentei convencer-me a não ter, mas não estava a correr muito bem. No que pude socorri-me de uma das minhas tesouras. Mas estava a avançar muito devagar. Até que arranjei uma forma mais segura de trabalhar e agora está quase terminado.
O medo é mesmo um bicho difícil de combater, por vezes não podemos mesmo acreditar naquilo que pensamos se não é impossível avançar.À medida que a pele regenera, o medo acabará por se desvanecer, mas a aversão por x-actos mantem-se. (e tudo isto é verdade, mas também poderia ser uma metáfora)