semana número 1*
A arte de ser desonesto
Há dias revi o filme Ocean's 8, as primeiras cenas fazem-me sempre sorrir. Como é fácil ser-se enganado. Entre viver na constante desconfiança e confiar que a maioria das pessoas é honesta, prefiro a segunda hipótese. O mundo seria bem pior se assim não fosse. Felizmente funcionamos de forma menos dual que uma chave dicotómica e por isso conseguimos viver confiando e ir desconfiando aqui e ali.
É o típico feell good movie, traduzindo: leve, com alguma graça, sem profundidade nenhuma e entretem o suficiente para nos despreocuparmos da vida um bocadinho. Gosto especialmente da personagem interpretada por Rhianna, uma mistura de pessoa cool com uma arrogânciazinha q.b., que usa o seu génio em prol do bem-estar, o seu. Claro que isto em personagens fictícias é engraçado, se conhecesse alguém assim, não estaria entre as 100 primeiras escolhas para bff, como dizem os adolescentes. Diz, na minha opinião, duas, das três melhores frases do filme: "You poor thing" quando um tipo da segurança do museu abre uma notificação enviada por ela, e quando a personagem interpretada por Mindy Kaling está a ter um fanico pela Taylor Swift "You are so White!". A outra frase é interpretada por Sandra Bullock: "Well, I have 45 bucks Tina, can go anywhere I want".
Há um artista, um grande artista na verdade, que é genial, desonesto, arrogante, engraçado e não é uma criação, existe. Chama-se Wolfgang Beltracchi e é um excelente falsificador, não só porque falsificou (vou usar esta forma verbal, porque depois de cumprir pena de prisão prometeu não voltar a fazê-lo) de forma brilhante o trabalho de vários artistas famosos, como o fez de forma muito inteligente. Criou obras "novas" de autores conhecidos, nos seus diversos estilos. Obras que especialistas reconheciam como sendo originais e que estavam "perdidas". Aproveitava-se da ganância ignorante dos especialistas /leiloeiros, e lucrava com o dinheiro dos compradores multi-milionários que depois exibiam em suas casas os seus belos quadros. Há uns anos numa entrevista quando lhe perguntaram se se arrependia do que tinha feito, pensou um pouco e respondeu: "Sim, arrependo-me de ter usado aquele branco". Uma referência à tinta que o levou a ser descoberto. Wolfgang tinha o cuidado de fazer as suas próprias tintas com técnicas usadas na altura que supostamente os quadros teriam sido pintados, excepto uma vez, em que usou tinta branca moderna.
No seu livro STEAL LIKE AN ARTIST, Austin Kleon começa por dizer que a todos os artistas é feita a questão: Onde vais buscar as tuas ideias?, e que o artista honesto responde - Roubo-as!
Em primeiro lugar adoraria que me fizessem essa pergunta, acho mais interessante e mais fácil de responder do que: quanto tempo demoraste a fazer?
Tive um professor que nos dizia "os pintores pintam o que viram noutros quadros e não o que vêem". O que o meu professor e Austin Kleon dizem é verdade, mas não é toda. Aquilo que se faz, desde o tempo das pinturas e gravuras rupestres é alguém tem uma ideia e desenha, e entre os que observam esse desenho, há os que falam sobre o desenho - uns dizendo "sim senhor está jeitoso", os que franzindo o nariz, cospem um "modernices maiparvas", outros ainda que acham que foi um ser superior que os iluminou, não faltando o clássico: "isso até eu fazia". E há os que fazem realmente repetindo / imitando, sem qualquer problema de consciência e batendo no peito que é uma ideia sua e original. Mas a maioria, lá está, mais honesta, rouba / usa o que gosta, um traço, uma aplicação de cor, uma técnica, um tema e vai desenvolvendo e melhorando o seu trabalho num estilo próprio.
O que me faz lembrar Stromae que compõe temas distintos com ritmos e tons conhecidos, influências óbvias de diferentes culturas desde Cabo-Verde à Bulgária, uma misturada de estilos que funciona porque ele os trabalhou até funcionarem. O trabalho que é desenvolvido num desenho/ escultura/ pintura/ música, etc é uma sopa de pedra, a diferença entre o artista e o frade que vai pedindo os ingredientes é que o primeiro não tem a intenção de enganar ninguém. Os mais diversos tipos de arte são o mais puro escapismo, para quem a faz e para quem a usufrui.
Alors on sort pour oublier tous les probèmes
Alors on danse