semana número 7*
No Domingo fiz um bolo de cenoura, o mais bonito, até agora, que o forno sempre foi um estranho temperamental que tento conquistar com carinho, mas que finge ignorar ou simplesmente não quer saber das minhas tentativas. Era para levar no dia seguinte, para comemorar, para partilhar, para oferecer... Uma receita que me foi dada pela minha amiga D. há uns anos, estava tão bonito.
Mas as alegrias e esperanças foram sufocadas com uma pele cinzenta de morte... a rádio lança-me o verso O que não começa, não acaba, e sei o que tenho que fazer, fingir que esta semana não é diferente das outras, que nunca vai ser diferente, que as mudanças são para quem pode e não para quem quer. (Ai que dramática que sou... por vezes gostava de ter uma veia violenta, que me levasse a atirar a aparelhagem à parede, a ver se continuava a lançar-me versos deste género). Do bolo restam agora as migalhas, não só estava bonito como estava bom.
Li O retorno, de Dulce Maria Cardoso, os pensamentos de um rapaz que sabe que tem que vir para Portugal, mas que sonha com uma América, que acaba de ter que fugir numa situação pior do que a imaginada. Um miúdo preconceituoso, com as pessoas, com as terras, com os géneros, racista, misógino, homofóbico, egoísta. Um miúdo que perde tudo o que conhecia, e para não andar a sofrer agarrado a esperanças, diz a si próprio que o pai morreu, que nunca mais o vai ver. Traça planos para ir para os Estados Unidos e chama casa a um quarto de hotel, com vista para o mar. Trai a pessoa mais decente que encontrou (ou talvez a pior, fazendo exactamente o que ele queria?). Despreza a irmã por se estar a tentar integrar e teme o que a mãe pode fazer e o que os outros poderão dizer dela, deles.
Remendei meias que estavam a ser negligenciadas já há demasiado tempo, sempre gostei de remendar meias, e gosto de meias remendadas que me vão acompanhar mais uns quilómetros. Ouvi dois episódios de Midsomer Murders enquanto fazia remendos, mas é demasiado mauzito, decidi tentar Father Brown, é melhorzito, entretem o ouvido. Se as séries de mistério britânicas reflectissem a realidade, as taxas de homicídio nos meios rurais seriam assustadoramente altas. A cada chá das cinco mais um vizinho que foi atropelado, esfaqueado, envenenado, empurrado... só nervos de aço é que não fariam as chávenas tremer nos pires. Aparentemente não há nada pior para a saúde do que ter um testamento, e dizer ao advogado que se quer fazer uma alteração ao mesmo...
Ainda há pouco abracei o meu amor pequenino e quando estava a mostrar as cicatrizes tive que desviar o olhar.